Era uma vez milhões de chapéus



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As cabeças perderam os chapéus, ou os chapéus perderam as cabeças?

Cada vez mais há menos chapéus nas cabeças dos homens e das mulheres. Eles estão em extinção por causas naturais e estéticas. Antigamente os homens não gostavam de mostrar a “calva” lustrosa ou os cabelos grisalhos que floresciam como grama. As mulheres sempre gostaram de usar chapéus dos mais espalhafatosos feitios, como sinônimo de personalidade, identidade e classe social.

Por isso, os chapéus surgiram, como acessórios milagrosamente criados, para tornar as pessoas mais elegantes e, às vezes, mais pedantes, além de emprestar-lhes especial charme. Os carecas inconformados com a falta de cabelos, escondiam suas desventuras e se sentiam seguros, cobrindo as cabeças com os variados tipos de chapéus que apareciam no mercado. Muitos deles serviam para protestar, mandar recados, chocar, disfarçar, proteger, personalizar, seduzir ou para esconder um coco pelado e liso.

Com o avanço das pesquisas tecnológicas, os cabelos começaram a merecer atenção especial dos fabricantes de cosméticos, tinturas e artefatos para preservar-lhes a elegância. Diminuiu o número de pessoas que exibia cabelos brancos. Os calvos também diminuíram, com o aparecimento de implantes capilares, tratamentos especializados e as versáteis perucas de todos os tipos, cores e utilidades; capazes de manter as cabeleiras sempre belas e os rostos ornamentados por artefatos postiços cada vez mais sedutores.

Os mais moderninhos aderiram a esta conquista renovadora da manipulação capilar e abandonaram os chapéus. Outros, talvez a minoria conservadora, ainda reluta em usar perucas, implantes ou tintas para realçar e transformar seus visuais. 

Os chapéus fizeram história e entraram para o folclore popular, cada qual à sua maneira e estilo. A origem dos chapéus vem da Pré-História quando nossos antepassados utilizavam peles de animais, para cobrirem corpos e cabeças, protegendo-se das variações do tempo. Aproximadamente 3.200 a.C., nos reinados do Alto e Baixo Egito, já se fizera a primeira experiência com tais acessórios. Na Idade Média predominou o “hennin”, que era um chapéu alto com abas em forma de cone, de cujo vértice pendia um véu. Este tipo de chapéu imortalizou-se na literatura infantil, através dos contos de Fadas.

Quem não se recorda do chapéu da Fada Madrinha? No século XVII usava-se o “chaperon”: uma espécie de capuz de feltro ou pano. Em 1797 o inglês John Hetherington criou um chapéu de abas curtas e copa de 20 centímetros, parecendo uma cartola. Mas os londrinos não gostaram da novidade e se revoltaram, prendendo o inventivo chapeleiro por causar distúrbios. Talvez Maria Antonieta (rainha da França) tenha sido a grande inovadora e lançadora de chapéus femininos. Ela revolucionou a sociedade francesa, usando monumentais perucas, cacheadas e adornadas com plumas, jóias e flores. Verdadeiros espantalhos.

O Dicionário do Folclore Brasileiro registra algumas crendices e expressões a respeito do uso de chapéus. Diz uma delas que se sentar à mesa de refeições com o chapéu na cabeça afugenta Jesus Cristo ou o Anjo da Guarda do local. Outra afirma que entrar em casa com o chapéu na cabeça, é chamar a morte ou a infelicidade aos negócios e à saúde. Quando se diz “passar o chapéu”, entende-se fazer uma vaquinha, usando-se o chapéu para a coleta. Os pedintes usam muito o surrado chapéu para recolher esmolas, como forma de explorar a piedade alheia.

Houve época em que os homens se sentiam nus sem chapéus, tamanha era sua influência e influência também nas sociedades do mundo em transformação. Há muita tradição e preferência pelos finos chapéus Panamá. No México os “sombreros”, chapéus de abas largas, vistosos e espalhafatosos, parecidos com guarda-chuvas sem cabos, são muito usados, especialmente pelos cancioneiros; dando-nos a impressão de que seus usuários, deles se utilizam contra temporais. 

No Brasil usou-se muito o chapéu de palhinha, geralmente de cor clara, muito consistente e com cinta escura. Este tipo de chapéu tornou-se o tradicional apetrecho dos boêmios e notívagos, que o usavam não só para complementar as indumentárias, mas também para compor batucadas, marcando o ritmo da música no próprio chapéu, como se este fosse um pandeiro. O chapéu de palhinha era trançado com uma fibra natural, que lhe dava um acabamento primoroso e resistente. Vieram a seguir os chapéus-coco e chapéus de feltro ou de pano engomado: que faziam os homens se sentirem bem vestidos e charmosos. Também foram criados chapéus country, os bonés ou gorros.

Muita gente ainda se lembra dos chapéus Prada e Ramenzoni, marcas inconfundíveis por serem consideradas primorosas e soçaites. Apareceu também o chapéu tipo cartola, com abas curtas e uma espécie de cilindro que se projeta acima da cabeça. Este chapéu ainda é usado pelos prestidigitadores, para praticarem atos mágicos, escondendo dentro deles coelhos, pombos e outros artefatos de ilusionismo.

O brasileiro Santos Dumont notabilizou-se usando seu distinto chapéu-chile, de abas caídas em ondas, sem o qual sua figura pareceria incolor. O chapéu-coco era feito de feltro rígido, com copa arredondada e abas ligeiramente reviradas nos lados e foi muito usado pelo clero. O chapéu de Napoleão Bonaparte foi inconfundível na História, emprestando ao seu dono e criador, o singularismo do homem determinado e absoluto.

Usa-se o termo “chapéu-de-napoleão” para designar uma peça da lataria, que existe dentro do capô do Fusca que dá sustentação ao arcabouço do carrinho. A palavra “chapeuzinho” está ligada também ao acento circunflexo e à estória infantil de “Chapeuzinho Vermelho”. Os vaqueiros do Nordeste brasileiros usam o chapéu-de-couro; que é confeccionado de couro curtido de boi, tem forma arredondada, com pespontos também de couro nas abas, que são usados para enfrentar as juremas espinhosas, quando perseguem bois na caatinga.

Apesar de pouco usado atualmente o chapéu ainda impõe respeito e atua como peça preciosa no rol das etiquetas sociais, tanto para damas como para cavalheiros. Papas, cardeais e bispos usam um minúsculo chapéu, cobrindo apenas o cucuruto da cabeça. Os índios usam cocares, feitos de penas, flores e miçangas. Os Árabes usan turbantes de tecidos. Nos movimentos sociais é notório o uso do chapéu, sobretudo nas cabeças das mulheres belas, que ficam mais belas ainda mesmo com aqueles monstrengos escondendo seus cabelos. Ele coroa cabeças, imprimindo-lhes auras de nobreza, estilo e elegância. Muitos chapéus imortalizaram conhecidos malandros da ribalta, que os usavam como disfarce ou mesmo como complemento fundamental do seu metier. 

As pessoas acostumadas a usar chapéus sabem avaliar como eles influenciam suas personalidades. Este hábito já foi obrigatório no figurino masculino, pois, constituía-se a última peça a ser sobreposta como arremate final. Colocar o chapéu de forma correta exigia longas espiadelas no espelho, para ajustes sob diferentes ângulos, até que fosse encontrada a posição ideal. A quebradinha do chapéu sobre a testa chegou a ser para alguns usuários, verdadeira obsessão.

Afirmam que um chapéu bem posto ajuda cinquenta por cento na hora do flerte e mais vinte por cento no momento da conquista de uma garota. Um belo chapéu não deixa de ser um belo troféu. Na hora do “olé”, o toureiro lança no ar seu chapéu, em direção à sua amada que está na platéia: como apoteose de bravura e vitória sobre o desditoso touro. Os aficionados vaqueiros, domadores de touros e cavalos bravios, que se exibem nos rodeios, costumam lançar ao ar seus chapéus em sinal de alegria e vitória.

O tempo passou e modificou o uso dos chapéus. Apareceram as “coberturas” alternativas, menos austeras e mais convencionais. Surgiram as boinas, os quepes, os gorros, os capacetes, os solidéus dos religiosos e os barretes como sucedâneos dos chapéus.. Até por volta dos anos 50 o uso dos chapéus foi muito intenso. Basta retroceder na História do Brasil e ver fotos antigas, para saber que nossa brava gente gostava e usava chapéus à vontade. Mas, a popularidade dos cabelos longos, a partir da década de 60, destronou em parte os chapéus.

Hoje é raridade encontrar algum cidadão usando chapéu nas ruas. Mulher, então, só se for malucoide. Winston Churchill nunca se separava do seu chapéu tipo cartola. Charles De Gaulle usou o tempo todo um personalizado gorro, de pala dura com as insígnias do general. Elke Maravilha gosta de se apresentar ao público, ostentando chapéus bizarros e, às vezes grotescos. Cow-boy que não usa um belo chapéu não é cow-boy. O cangaceiro Lampião tornou-se célebre usando um chapéu inusitado de aba frontal virada para cima, com enfeites e espelhos. Maria Bonita andava com o chapéu enterrado na cabeça. Um dos mais hilariantes chapéus foi o da atriz Carmem Miranda, ornado com frutas e balangandãs; parecendo uma mini-quitanda ou um quiosque de feira.

Acho bonito as beldades femininas com aquele amontoado disforme de galhos, penas, flores e arabescos sobre suas cabeças. Nem desconfiam elas que seus cabelos são mais belos que esses adereços sem nexos. Não há nada tão inspirador como um belo rosto feminino, cercado de belos cabelos por todos os lados. Mas muitas mulheres são frívolas e preferem o banalismo dos chapéus.

A onda de “bonés”, uns de marcas famosas, outros, prêt-à-porter, está por toda parte. Eles e elas aderiram de vez a esse tipo exíguo de chapéu, até certo ponto interessante; mas de uma inutilidade total. Exibir um boné caprichado é sinal de status; principalmente quando no seu frontal aparece a propaganda de uma marca famosa de produto ou uma frase provocadora e picante. Os bonés estão abafando e fazem mais sucesso pelo marketing do que pela elegância e utilidade. Pena que os chapéus se foram! E o que virá depois do bonezinho safado?

Nesta pequena alusão aos chapéus aloprados ou não, lembro que uma das maiores personalidades da História, que há dois mil anos vem sendo estudada, seguida, admirada, adorada e até repudiada por incrédulos, nunca usou chapéu, nem boné para ter o sucesso e a notoriedade que tem. Ele sempre usava um manto sobre a cabeça que lhe cingia o corpo inteiro Seu nome: JESUS CRISTO.

Autor Rivaldo Cavalcante
(*) Crônica publicada no Jornal da Paraíba no dia 18/01/95

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