Netos Vindos do Céu



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Deus conforta as pessoas que envelhecem, dando-lhes netas e netos, que terminam sendo a razão de ser de suas vidas. Eles são graciosas miniaturas de gênios, tão diferentes como a lua e um canguru. Charmosos como peças feitas à mão. Tenho quinze deles que foram  chegando à prestação, com fisionomias, pesos e tamanhos sortidos. Uns são  engraçados, outros sisudos. Mas todos são capazes de roubar nossa última gota de paciência e de nos cativar com aquele carinhoso: "Oi, vovô! Oi, vovó!" Está na Bíblia: "Os filhos dos filhos são a coroa dos anciãos" (Prov. 14,30).


Considero-os artistas em fase de aprendizado como todas as crianças. Têm energia de pequenos foguetes querendo alçar vôos. Devo orientá-los para sentir, procurar e criar coisas diferentes, coisas novas, usando a inteligência que Deus lhes deu. Assim, espalharão luzes e conhecimentos como espelhos que refletem a luz do sol. Ensinarei a eles que o mais importante não é se fazer notar, mas deixar-se distinguir.


Tanto quanto possível procurarei injetar em suas mentes incipientes, overdoses de coragem, alegria, docilidade, caráter, persistência, honestidade,  entusiasmo, amor e fé. Direi a eles que cultivar essas virtudes, já é meio caminho andado, na busca do sucesso pessoal e profissional, quando se tornarem donos dos seus próprios destinos. Às vezes tenho pena dos meus netos e netas, porque crescerão e se tornarão adultos. Quando isso acontecer será um momento de exultação para eles e de muita comoção para os avós; que preferiam tê-los sempre pequeninos. Mais rápido do que pensamos, estarão entrando firmes no mundo, em busca de um lugar ao sol.

Felizmente ainda há tempo para brincarmos, passearmos, bagunçarmos juntos e de comemorarmos muitos verões, invernos, outonos e primaveras em família. Para cada um desejo toda felicidade deste mundo. Imagino que todos os avós pensam desta maneira. Não desejo que sejam crianças sem infância, jovens sem perspectivas ou anciãos inconformados com suas idades. Quero que se tornem sínteses psicológicas na história da humanidade, cada qual com seu canudo debaixo do braço, dando pinotes pra todos os lados, bradando eureka! Como merecidos prêmios que a vida lhes dará; pelas profissões que escolherem, pela Fé que florescer nos seus corações, pelas ideologias que professarem, pelas famílias que constituírem e pelos amigos que souberem selecionar pela vida afora.

Netos e netas são   deliciosamente sociáveis, moldáveis, metidos, gregários e barulhentos. As mães os adoram como páginas de um livro novinho em folha. Os vizinhos os toleram. E o Anjo da Guarda os protege. Gosto de suas companhias para saber como analisam as mágicas da vida e como agem diante das situações.  Às vezes dou-lhes uma mãozinha, para evitar que quebrem as canelas ou martelem os dedos. Participo de suas brincadeiras, permanecendo o tempo todo na defensiva, contra pontapés, cabeçadas, pauladas, pedradas e murros... tudo na base da camaradagem.

Vou estimulá-los para que nunca sejam radicais, extremistas, invejosos, difíceis,  incrédulos ou piegas. Mostrar-lhes-ei como desenvolver a Coragem e a Fé: como enfrentar os problemas da vida e como aproveitar os frutos que souberem colher. Farei tudo para que desfrutem o período de crianças, como crianças normais, explicando-lhes que antes de tudo há metas e ideais que devem ser construídos desde cedo. Quero que sejam respeitáveis dignitários da sociedade; sem serem adultos por antecipação. Antes de parecerem ser bons, eles precisam ser bons de verdade.

Raras vezes os quinze se reúnem. Quando isso acontece, mais do que depressa me tranco no meu quarto e, de joelhos, rezo assim: "Senhor! Protegei meus netos e netas, contra acidentes, palavrões e agressões, especialmente...! Especialmente todos eles". Depois da prece vou encontrá-los, como o gladiador que vai para a arena, defrontar-se com leões famintos. Aí começa a grande bagunça! Procuro fazer-lhes os gostos ao pé da letra; o que nem sempre dá certo para ambas as partes. Viro criança, rolando no chão como um gato e pulando como um canguru. Não posso ser carrasco diante dos gestos simples, espontâneos e meigos desses pirralhos. Difícil mesmo é contentar os "inventores", que se apoderam da minha maleta de trecos e ferramentas para construírem geringonças inacreditáveis. Após a festa as ferramentas que estavam na maleta ficam jogadas na calçada, em desorganizada confusão. Quando estamos juntos formamos uma equipe legalzinha,  sorridente e unida para o que der e vier. Os ferimentos às vezes são inevitáveis. Broncas e
caras feias também.

Quando termina o dia e os baguncentos vão embora, a paz retorna. Vou para meu quarto novamente, fecho a porta e ajoelhado agradeço a Deus por nos ter protegido e pelos momentos de felicidades que gozamos juntos. Cansados das
peripécias do dia,  dormirão e sonharão com o Rei Leão,  Mogli e Branca de Neve e os Sete Anões. Eles deixam muitas saudades quando vão embora. Nossa casa e os corações ficam vazios como uma colméia sem abelhas.

Todo neto ou neta se divide em seis fatias iguais: entre a mãe, o pai e os quatro avós. Mas todos desejam possui-los por inteiro. Considero-os pedaços de massas moldáveis. Eles nos transmitem energia e vitalidade, com aquelas carinhas lindas e juvenis. Nós lhes devolvemos carinho, cuidados e exemplos
de vida. Quero dar-lhes a maior de todas as heranças: alguns minutos de atenção sempre que estiverem por perto. Procurarei ensinar-lhes a desbravar seus próprios caminhos com as ferramentas que possuírem; construindo pontes ao invés de muros. Afeto e carinho os avós lhes dão. Mas a educação dos netos é prerrogativa dos seus pais.

Às vezes fico pensando de onde meus netos e netas tiram tanta energia! E concluo que deve ser da ignorância das alternativas. Suas mentes infantis funcionam como se ontem fosse hoje e amanhã também seja hoje. Para eles as preocupações são miragens distantes! Na sua imaginação fugaz, o mundo será eterna festa, com palhaços, algodão doce, pipas, bolinhas de gude, pipoca caramelada,  carrossel de cavalinhos e bandeirolas coloridas. As flores nunca murcharão; as pessoas nunca morrerão; os sonhos não terminarão e seus caprichos devem ser satisfeitos custe e o que custar. Eles, como todas as crianças, preferem que tudo aconteça agora. Brincar, comer, divertir-se e beber tudo agora porque desconhecem o dia seguinte.

Netos e netas são tesouros maravilhosos inventados por Deus para que nosso ocaso seja iluminado pelos seus sorrisos, impetuosidade, genialidade e graciosidade. Eles se assemelham a flores que desabrocham após várias
experiências. Serão crianças por pouco tempo. Por isso, aproveitarei esse lapso de tempo, crescendo junto com eles, antes que se tornem idosos demais para desfrutarem das alegrias da vida. Se depender de mim prolongarei o mais
possível suas infâncias, para terem tempo de sedimentar suas personalidades, sem medo do futuro. Tentarei dar-lhes um sentido mágico à palavra "infância"

Já estou quase preparado para as inevitáveis separações futuras. Pois, um belo dia lá se vão eles cuidar de suas vidas e  famílias. Tornar-se-ão pais e avós e o ciclo se repetirá como uma espiral sem fim, ou como um elo de união entre criatura e Criador. Oxalá quando isto acontecer eles se lembrem

dos momentos felizes que vivemos juntos. A missa na Matriz aos domingos; passeios à toa por ai. Ou vibrando com  filmes de aventuras;  reunidos em festinhas de batizados e aniversários. Brincando de quebra-panela, caça ao tesouro; empinando pipas ou matando o tempo conversando besteiras: enquanto o caleidoscópio da vida vai tecendo novos caminhos.

Podemos trancar nosso escritório ou quarto para não nos perturbarem. Mas não podemos proibir que entrem nos nossos corações. Podemos enxotá-los da sala cheia de visitas. Mas não podemos afastá-los do nosso pensamento quase o

tempo todo.

Sempre que tem neto ou neta por perto preciso ser um avô polivalente: pediatra, psicólogo, dentista, professor, mecânico, juiz, marceneiro, enfermeiro, técnico de computador, babá e mãe ao mesmo tempo.  Procurarei ficar perto deles o mais possível, para orientá-los nas transformações iniciais da vida. Dir-lhes-ei que o homem é um pedaço do Universo criado por Deus, para realização desse mesmo homem... como obra prima.


Cada neto ou neta é uma apoteose própria. Uns são criativos, intelectuais, brincalhões, aprendem com facilidade e gostam de dormir tarde. São circunspetos e compenetrados. Estão sempre inventando alguma coisa, Gostam da escola, mas detestam o banheiro. As meninas são meigas, gentis e trabalhadoras.


Outros são extrovertidos, barulhentos, usam sapatos com o cadarço desamarrado, dormem cedo e gostam de imitar cantores. São muito sociáveis e topam qualquer tipo de brincadeira. As meninas gostam de ler, de organizar teatrinhos, costurar, pintar e ajudar nos afazeres domésticos.


Quando netos e netas se reúnem fico observando o espírito de liderança que logo se estabelece.. Algum deles dará ordens,   decidirá, orientará, inventará brincadeiras e atividades. Evito a todo custo que passem por qualquer vexame. Quando os pais recusam seus pedidos eles correm para "vovô" ou "vovó" que dá o voto de Minerva, sempre a seu favor. Vovô vira herói.

Vovó vira santa e ambos ganham abraços e beijinhos.

Netos e netas são como bengalas que nos ajudam a subir as ladeiras da vida. Amo todos eles, pois os vejo como pontos de convergência que me levam até Deus. A energia que têm é incrível! Parecem panelas de pressão em ponto de explosão. E explodirão com certeza, à medida que forem crescendo,

desenvolvendo músculos, intelecto e descobrindo as excitantes mágicas do mundo. Explodirão com certeza quando começarem a preferir, selecionar, rejeitar, trabalhar e amar.

 Nunca poderei ensinar-lhes todos os truques, atalhos e sinuosidades da vida. Crescer, tornar-se gente, ser feliz e fazer outras criaturas felizes, é uma tarefa pessoal que cada criatura precisa aprender por sua própria conta e risco.


Autor Rivaldo Cavalcante
(*) Crônica publicada no JORNAL DA PARAÍBA, no dia 03/01/92

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