Vinte Anos



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Uma vez eu estava com 20 anos. Faz tempo!

Foi um viver florido. Parecia até que tinha asas, que o céu era perto, que o mundo era um celeiro de Paz e de Amor.

Até então não sabia exatamente o que a vida era. Se saborosa ou amarga, se fácil ou difícil, se feita de sorrisos ou de lágrimas. Se comprida ou curta.

E sonhei! Sonhei que o mundo era todinho meu! Que as guerras, desavenças e desigualdades haviam desaparecido do mapa.

Sonhei com um ser supremo chamado Deus, que era respeitado, como expoente máximo da Fé! Criador do céu e da terra.

Sonhei em destruir todas as teorias, inclusive da Relatividade e reescrever tudo de novo, num linguajar mais inteligível.

Limpando o mundo dos abrolhos, das invejas e das prepotências.

20 anos é o momento ideal para ser jovem. A juventude é sábia. Mas é também muito afoita.

Portanto, nunca se iluda com quem deseja reinventar o mundo, espalhando boatos do seu fim e podando as iniciativas dos que abrem novas chances no vasto leque das opções.

Decidi, então encarar o futuro como um mágico sonhador. Superando barreiras e desejando sempre a glória do sucesso.

A beleza dos sorrisos e a doçura do amor! Ostentando a força da minha juventude. Dizem que a vida começa na juventude.


Uma vez eu estava com 30 anos.

Já mais crescidinho e metido a besta; consciente da distância que medeia entre o ser e o querer.

Descobri de que a vida  é feita. Comecei a esbarrar nos sacrifícios, nas noites indormidas, na busca aventureira de um lugar ao sol. Na luta pelo melhor lugar. De desbravar o mundo, de abrir clareiras e de penetrar nos impossíveis.

Na cata de um amor para nos unirmos pelos laços do matrimônio. Nos minutos perdidos em divagações estéreis e envolto nos sonhos inatingíveis. E nas besteiras que inventamos à toa.

Então, notei que meus projetos anteriores precisavam ser revistos e corrigidos.

Admiti que a peste da inveja poda nossos mais belos ideais e que o homem dominante tem poderes de matar, guerrear, humilhar. Isto muito me entristeceu e tive que repensar tudo, deixando de ver a beleza transcendental da  vida, para envolver-me com seu lado funesto.

Porém, às custas de ingentes sacrifícios fui galgando os degraus de um progresso incipiente no começo e depois pleno de recompensas felizes.

Agarrando-me às três grandes paixões: o Amor, a Sabedoria e a Liberdade.


Uma vez eu estava com 40 anos.

A idade majestosa da maturidade. Do vigor físico. Do conhecimento pleno dos milagres e dos absurdos. Da solidariedade conjunta. Da fixação nos corações das verdadeiras chamas do amor-paixão, da solidez das metas atingidas e das outras perdidas, na leviandade das indecisões. Pensei até que havia conquistado o paraíso aqui na terra, esplendorosamente dadivosa e rica de paixões, maravilhas, oportunidades, ilusões e desilusões.

A maturidade, porém, como o outono é por excelência a idade de colher os frutos, refletida na solidez da família, numa sustentável situação financeira e na execução dos grandes projetos. E aceitação das grandes responsabilidades.

Aos quarenta anos, o que mais vale é a solidez dos conhecimentos produtivos, das realizações conclusas, do valor pessoal.

Foi nesta etapa da minha vida que aprendi a viver mais devagar, para apreciar melhor a existência. Para estar mais presente.


Uma vez eu estava com 50 anos.

Um vasto panorama descortinou-se à minha frente. Foi como se o véu da noite me cobrisse ao meio dia. Meio século, e agora? Como seria meu viver daí para a frente. A marca dos cinquenta anos sempre nos traz uma grande nostalgia, de tudo que deixamos de ganhar na nossa conta de Lucros & Perdas. Do que não foi realizado por falta de tempo, de experiência, de oportunidade, de arrojo e de coragem. De muita coragem.

Cinquenta anos! Marca fatal de tudo que deixamos de fazer e de tudo que exageramos. Inclusive nas aspirações amorosas, de riqueza, de posses pessoais, de sustentabilidade profissional, do equilíbrio psíquico e emocional. E o tempo, inexorável, seguiu seu caminho; dividindo-me em duas metades. A metade até o cinquenta e a outra metade do que me restava cumprir. Apareceram dúvidas imensas. Pensares críticos no cômputo geral dos afazeres. Dor lucros & perdas.

Viver cinquenta anos é antever a metade de alguma coisa que não sabemos o que é. Os cinquentões que o digam a refletirem nas suas pressuposições de adivinhar o que resta pela frente.

Aqui o nosso horizonte se acinzenta e as incógnitas surgem como fantasmas amedrontadores.

Mas não podemos jamais deter o relógio do tempo.


Uma vez eu estava com 60 anos.

Equilíbrio do ativo e do passivo. Desejo de alcançar outras metas, subir mais alto nos degraus da vida. Ância de ser feliz. Cada vez mais feliz! De dominar o indomável mostro das indecisões, dos imponderáveis e dos impossíveis. Mesmo como se já estivesse próximo de uma descida vertiginosa. Aprumei os passos e prossegui, como um general que vence uma batalha impossível. Sessenta anos é a época das grandes realizações intelectuais, das obras de fôlego e da abnegação. Dos sonhos perdidos e das vitórias contabilizadas. É nesta idade que aparece o fantasma da aposentadoria; com suas enganosas promessas de felicidade. Aparecem as doenças que nos rondam como diabólicos fantasmas. Cerceando nossos objetivos já cambaleantes.

Não significa que desse patamar dá para vislumbrar o fim de tudo, mas leva-nos a meditar sobre o impossível de qualquer retrocesso.

O decênio da maturidade termina nos encaminhando para um beco sem saída, de onde podemos enxergar as realidades latentes de viver. As saudades se aprofundam e as expectativas também.

Se conhecemos plenamente o que é viver, sabemos também o que significa morrer, com a morte sempre rondando com pés de lã.

Mas, não tenha medo. É bom ser madurão, diplomado em experiências.


Uma vez eu estava com 70 anos.

Uma espessa nuvem de saudades cobriu-me a face já alquebrada pelo desgaste do dia a dia. Pelas esperas e desejos irrealizados. Pela falta de visão do futuro que pensava ser fácil de agarrar pelo pescoço a grudá-lo à mim. Setenta anos. A ladeira dos finalmente começava a me perturbar os pensamentos. Teria pela frente uma estrada em declive cada vez mais acentuado, mais tapetada pelos carrapichos e pés de urtiga que nos levam a claudicar, a procrastinar e interpretar mal os senões e porquês de viver.

De ter vivido sonhos que desmoronaram nas primeiras ventanias, desenhando fantasmas diante de um panorama de tristeza e solidão. De final de linha e do não aproveitamento do tempo que acabei jogando fora; por preguiça, pelas desilusões, pela inércia, pelo descontentamento de olhar em frente e ver a estreiteza da estrada, dos quilômetros e metros que restavam no meu calendário.

Nesta idade começa-se a viver sem ilusões e os sonhos encerram suas apresentações lúdicas. Existir parece uma coisa incômoda. E frágil como uma teia de aranha.

Viver entre paredes, sonhos desfeitos e a aposentadoria que valoriza a inércia, cria um clima nostálgico de: "vou ali e demorarei a voltar".


Agora estou com 80 anos.

Meto-me, à contra gosto, na idade da velhice sem disfarces. Sou freguês dos sonhos que não deram certo.
Chegou o momento crucial de aceitar tudo. Como será daqui pra frente? Será que aprendi todas as lições que a vida me ofereceu? Será que suportei todos os abalos? Será que fui lerdo demais em rasgar o verbo. Ser o sábio que me prometi ser? Será que por negligência não constitui uma família digna? Não soube ler, interpretar e aplicar os ensinamentos da Bíblia? Será que fui pusilânime nos momentos oportunos das melhores decisões? Será que minha vida foi apenas um fardo? Apenas a visão de um futuro brilhante, que terminou torpedeado pelos vendavais do far niente, das preconceituosidades, da lerdeza, da falta de aplicação dos meus talentos que não soube plantá-los em terra boa?

Todas as idades têm seus momentos de tristezas e de alegrias, Mas aos oitenta anos parece que a coisa vai se aprofundando, tornando-nos hipocondríacos, resmunguentos e inconformados. Como se o livro da vida tivesse sido rasgado, como um final de romance!

Você sabia disto? A velhice nos malha por dentro e por fora. E feliz de quem chega à velhice ainda vendo o horizonte!
Aos oitenta anos chegamos ao vértice da existência. Quando espiamos para trás vemos as burradas que nos castraram os sonhos e podaram os sucessos. Aos oitenta, quando miramos o passado, algo nos faz crer que tudo poderia ter sido feito de outro modo. Com os pés firmes no chão das esperanças. Das esperanças que deixamos de cortejar, postergando-as sempre para outro dia, outro mês, outros anos. Mas, no meu caso pessoal, acho que chegou o momento de abaixar as guardas e esperar o dia seguinte, o mês seguinte e ano seguinte; com tranquilidade, crendo na misericórdia Divina; fiel mediadora dos nossos acertos e erros ao longo da vida.

Um dia eu apenas vivi!

Autor Rivaldo Cavalcante

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