Da Janela do Meu Quarto



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Duas horas da madrugada. Sem conciliar o sono, debrucei-me à  janela do meu quarto e parei para pensar, coisa que não fazia a muito tempo. No silêncio da manhã dei vazão à minha imaginação. 

Se você nunca abriu a janela do seu quarto nesse momento miraculoso, experimente fazê-lo. Parece que uma aura espiritual nos envolve, deixando-nos descobrir a transparência do mundo; a coragem dos intrépidos desbravadores, evangelizadores e cientistas; a riqueza dos valores morais; a sinceridade dos corações; os milagres da Fé. É como se do alto do céu Deus nos espiasse complacente e compactuasse com esse devaneio solitário.


Gosto de ver o mundo da janela do meu quarto. Abandono-me ao acaso. Faço um balanço das minhas ambições e desejos. Analiso o que fiz e o que resta fazer. Desejaria nessas horas místicas, encontrar muitos amigos, para conversarmos sobre as amenidades da vida. Sobre problemas de metafísica; matéria, moralidade e imoralidade. Por que amamos? O que há por trás da morte, afinal? Ou sobre a ação das utopias no espírito humano.

Debruçado na janela observo o mundo de mil formas: com centenas de alternativas válidas, para o bem da humanidade. Vejo minha querida Campina Grande, dorminhoca como criança no regato materno, curtindo mansamente as delícias do alvorecer que se aproxima, sem aversões nem agressões, com a lua por parceira e milhões de estrelas como testemunhas. De vez em quando, notívagos cortam o silêncio, aparecendo e desaparecendo nas sombras, como fantoches de um mundo mitológico.

Acompanho o deslizar suave  da noite, cumprindo sua trajetória milenar, envolta em mistérios, disfarces, esperanças, surpresas e perigos. Ajustando as teleobjetivas do meu pensamento, revivo, emocionado, os grandes acontecimentos históricos. As lutas, quedas e vitórias que nortearam o homem, até chegar a um nível razoável de civilização. Empreendo viagens pelo mundo afora à procura das suas maravilhas. Seus mistérios e segredos me fascinam. Enlevado, começo a visitar os lugares mais badalados do planeta, cavalgando minha imaginação. Logo descubro os encantos do nosso rio Amazonas, a voluptuosidade do Tej Mahal feito para imortalizar um grande amor.

Mais adiante, estão sagradas maravilhas da percepção humana, cintilantes na paisagem do tempo. Percorro os soturnos porões do Coliseu de Roma e me considero envergonhado pelas exibições miseráveis que ali se realizaram. No Corcovado está a enigmática presença do Cristo Redentor “dominando a Guanabara, jóia rara”;  beijo o pedestal do monumento como criança curiosa e me sinto feliz. Mais adiante, encontro obras notáveis imortalizadas na glória do Rei-Sol de Versalhes; na milenar História dos Papas arquivada na Basílica de São Pedro; nos lendários campanários onde se realizaram heróicas epopéias, tendo como protagonista o HOMEM. Que delícia poder pensar e abandonar, à seu bel prazer, o pensamento descompromissado, afoito e ávido de emoções fortes.

Pouco usadas atualmente, as janelas ainda se prestam para cenas espetaculares e também para manter gratificante intercâmbio entre as pessoas. Incrustadas nos arranha-céus elas nos aproximam de Deus. Algumas são sujas, abandonadas à ação do tempo e à sua própria sorte. Outras são vistosas, coloridas, simpáticas e bem cuidadas. É emocionante apreciar a vida através de uma janela. Por onde ando observo suas feituras. Aprecio seus peitoris floridos, com belas margaridas, amores-perfeitos e gramíneas, acariciados por pequeninos insetos e borboletas coloridas.

No silêncio da madrugada, minha janela parece cúmplice de alguma traquinagem, que está prestes a acontecer no palco da vida. Olho para o céu e o vejo lindamente ornamentado de estrelas, com a lua passeando pelo espaço sem fim. Em noites enluaradas parece que fitas de raios esmaecidos rolam pelo chão, inspirando os menestréis do amor, despertando nos seus corações as emoções puras do sentimentalismo gratificante.

As janelas já foram traços de união entre as pessoas. Infelizmente a civilização apregoada pelo homem, não foi  de todo entendida. E as janelas da era moderna perderam seu valor romântico e hospitaleiro. Hoje, precisam permanecer fechadas, protegidas por grades, vidros foscos, tramelas, cadeados e cortinas, cerceando a aproximação das pessoas. Se você tem uma janela disponível, debruce-se nela, de vez em quando, para observar o mundo, as pessoas, os animais, as árvores, as borboletas e todas as maravilhas que nos circundam. Se você não tem, invente uma e voe nas asas de sua imaginação, pelos labirintos do mundo. É uma experiência gratificante!

Ao abrir minha janela para espiar o mundo, é como se estivesse abrindo meu coração à visitação pública e às sugestões externas. As janelas são redomas que emolduram nossas personalidades. Dentro de nós existem muitas delas, que não necessitam de proteção. Um sorriso franco, um caloroso aperto de mão, uma palavra incentivadora, um beijo. Abra-as quando tiver oportunidade, para não se tornar prisioneiro delas. Janelas abertas socializam e se assemelham a corações abertos, desarmados, receptivos para fraterna e construtiva convivência humana.

Autor Rivaldo Cavalcante

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